William Morris foi um dos grandes nome do movimento Arts and Crafts dos século XIX. Sua prática foi amplamente delineada por seus ideais políticos, passando por experiências pela construção, a decoração e o design, chegando a ser escritor, sempre buscando amparar os espaços de trabalho como lugares de prazer e contemplação.
Morris foi um arquiteto, designer, crítico, escritor e estudioso inglês, nascido no leste de Londres em 1834. De família rica, experienciou uma infância privilegiada, e, posteriormente, foi estudar religião na Universidade de Oxford. É na Universidade que ele se envolve com um grupo de estudantes conhecidos como The Set, que liam, dentre outros temas, reformistas como John Ruskin, Charles Kingsley e Thomas Carlyle. Este grupo deu a Morris uma maior compreensão sobre as divisões da sociedade, além de levantar o interesse em trabalhar para criar uma alternativa ao sistema industrial desumano que predominava na Inglaterra pós Revolução Industrial. Foi em uma viagem para a França que Morris percebeu que não eram os estudos religiosos que o aproximaria de seus objetivos, e sim o estudo e a prática da arquitetura e da arte.
A partir de seus estudos e suas experiências profissionais, cada vez mais Morris se viu preocupado com os efeitos de longo alcance da Revolução Industrial. Enquanto a produção em massa de objetos domésticos os tornavam acessíveis, cada vez mais ficava evidente que os processos de produção e fabricação alienavam os trabalhadores e os privavam de qualquer satisfação com seu trabalho. A partir de sua atuação política, Morris estabelece o compromisso de fazer de sua prática uma reverberação de seus ideais políticos. Como uma primeira resposta a isso, William Morris se juntou a seu colega Philip Webb para projetar e construir sua própria casa.
A Red House, construída ao longo da década de 1850, tem sua construção baseada nos processos de produção medievais, nos quais os artesãos estavam diretamente envolvidos em todo o processo de fabricação. Para Morris essa casa teria o “espírito medieval” e eventualmente poderia acomodar mais de uma família. Era uma oportunidade de colocar em prática os ideais discutidos durante sua época de faculdade. O estilo da casa é um claro indicador da fixação dos projetistas no ideal medieval: seus telhados inclinados, chaminés proeminentes e frontões cruzados marcam a construção como um exemplo de projeto em estilo Tudor Gótico simplificado.
Apesar da produção de uma importante obra da arquitetura, a experiência da Red House foi um tanto conturbada para ambos os arquitetos recém formados e inexperientes, a ponto de Webb declarar que "nenhum arquiteto com menos de quarenta anos deveria projetar uma casa" (MARSH apud FIEDERER). Mesmo com os problemas de projeto como insolação, orientação e entre outros, William Morris e sua esposa Jane Burden se mudam para a casa em 1860 e passam os dois anos seguintes mobiliando e decorando a residência com a participação de amigos artistas, o que aproximou Morris de sua área principal de atuação: o design. É a partir do sucesso de seus murais e estampas, e da experiência de uma produção coletiva e prazerosa de trabalho, que surge a Morris, Marshall & Faulkner Co.
Nesta nova prática, tudo deveria ser criado manualmente, um princípio que se contrapunha firmemente aos processos industriais da Inglaterra do século XIX. Inicialmente a companhia se especializou em papéis de parede e tapeçarias bordadas, produzidas para a Red House, mas logo ganhou notoriedade, decorando ambientes como a sala de jantar do South Kensignton Museum, hoje conhecido como Victoria and Albert Museum, e também espaços para o St. James’s Palace. Em 1875 Morris se torna o único sócio da fábrica, transformando-a na Morris & Company, um coletivo de trabalhadores que é responsável pela produção de, no mínimo, 32 estampas em tecido, 23 estampas em tapeçaria e 21 papéis de parede, padrões que são conhecidas e podem ser adquiridos até hoje.
Esses produtos eram todos criados e produzidos pelos trabalhadores da fábrica e vendidos em uma loja inovadora que propunha uma experiência comercial de “tudo sobre o mesmo teto”. Todo esse cuidado é um marco da atuação de Morris e uma forte contraposição à produção em larga escala e alienadora imposta pela Revolução Industrial. Acima de tudo, Morris foi um assíduo leitor de Ruskin, e compartilhava de sua visão sobre o prazer e o trabalho intelectual e manual. Para Ruskin, o trabalho feito com prazer é o trabalho no qual o homem se envolve por completo, de corpo e alma, uma critica a divisão do trabalho onde alguns pensam e outros fazem. (2016, FILHO, ANICETO e AMARAL)
Ao mesmo tempo que William Morris se dedicava às produções da Morris & Co, ele se dividia entre uma vida política ativa, ao ponto de participar da criação da Liga Socialista em 1884, e à produção de poemas, romances e editoriais, uma área que seria cada vez mais explorada por ele com o passar dos anos. Essas duas atividades constantemente se entrelaçavam, pois Morris era quem diagramava e produzia os boletins e textos da Liga Socialsita, abrindo, assim, novos caminhos de sua prática. Em 1891, já no final de sua vida, Morris abre a Kelmscott Press, uma editora que publicava livros seguindo o estilo medieval, inclusive suas letras e ilustrações. Para isso Morris criou três tipografias exclusivas, a Kelmscott Golden, a Troy e a Chaucer, que podem ser adquiridas até hoje.
Após trabalhar como arquiteto, designer, artesão e escritor, sempre com seus ideais políticos alinhados à sua produção, William Morris morreu em 1896. Uma de suas últimas obras foi a publicação de um romance de sua autoria, Notícias de Lugar Nenhum, em 1890, que conta a história de um futuro utópico socialista, onde, para além de mostrar como seria seu ideal de vida, ele destaca uma vida onde se trabalha com prazer, onde é possível desfrutar de seus trabalhos, sem exploração. Essa sempre foi a bandeira praticada por Morris e delineada por Ruskin:
Hoje em dia separamos quem pensa de quem faz, e chamamos quem pensa de cavalheiro e quem faz de operário; no meu entender, quem pensa deveria também fazer e quem faz deveria também pensar, e todos deveriam ser chamados de cavalheiros. – RUSKIN apud. FILHO, ANICETO E AMARAL
Ao entendermos as propostas de trabalho de William Morris dentro do contexto da Revolução Industrial, e, fazer um paralelo entre essa época e a atualidade, é possível entender que pouco evoluímos em relação a isso. Se pensarmos no setor industrial, apostamos nas grandes indústrias que transitam por países pobres buscando explorar uma mão de obra cada vez mais barata para produzir o produto com menos custo e o mais padronizado possível. Se olharmos para a construção civil, nossos canteiros de obras são, em sua maioria, alienantes e pouco especializados, além de representarem altos riscos de vida para os trabalhadores, que são todos executores e não “pensadores”.
Por fim, se olharmos para os escritórios de arquitetura, muitas vezes essa situação não é tão diferente, já que a exploração do arquiteto é também vastamente conhecida dentro da área, para além da imposição da divisão do trabalhador desenhista – o cad monkey – e do arquiteto “autor” do projeto. Somado a isso, a marca criada por William Morris, apesar de resistir até a atualidade, também sofreu com a evolução do sistema capitalista. Hoje suas estampas são reproduzidas em massa, e espalhadas em inúmeros produtos que representam o oposto daquilo que ele acreditava. Dessa forma, entendemos que Morris, uma figura com uma atuação abertamente política, pode vir a nos inspirar não apenas a nos dedicar às práticas mais variadas possíveis, mas também em propor novas formas de trabalho, que invertam essas relações predatórias cotidianas.
Para ver elementos do acervo de William Morris, acesse as páginas do Victoria and Albert Museum e da University of Maryland.
Referência:
2016, FILHO, ANICETO E AMARAL. https://www.vam.ac.uk/articles/introducing-william-morris